Não é a uma verdade absoluta, apenas uma versão dos fatos. O que dizem os especialistas sobre o assunto? Entenda histórias de gente que sofreu preconceito. Mas ainda há futuro.
Há tempos, homens e mulheres, de diferentes etnias e
culturas, optam por registrar importantes acontecimentos de suas vidas,
diretamente em suas peles. Da mesma forma que encantadoras e passíveis de
reconhecimento de correntes artísticas tradicionais, as tatuagens, ainda hoje, na
segunda década dos anos 2000, provocam muitos sentimentos, como dúvida,
curiosidade, pavor e preconceito. Aos que escolhem ter seus corpos marcados com
tinta, são muitas as questões que pairam sobre a mente. Desde a concepção da
ideia e a escolha do profissional que realizará a arte, até preocupações sobre
as consequências do ato em si; há quem diga que, aos olhos do mercado de
trabalho, tatuagens, em lugares de muita visibilidade, podem prejudicar o
candidato durante processos seletivos.
Contrariando mitos, porém, nas grandes cidades brasileiras,
a popularização da arte é notável. A tatuagem, que antes era algo restrito a
certas correntes filosóficas, às tribos urbanas e aos profissionais ligados à
arte e estética, passou, no geral, a ter adeptos diversificados, em grupos
bastante heterogêneos. É possível ver celebridades da TV, jogadores de futebol
e ídolos da cultura teen desfilando
suas marcas, em qualquer parte do corpo, indiscriminadamente. Até que ponto o
país evoluiu nessa questão? Dá para conseguir um emprego tendo tatuagens?
Questões culturais de nossas empresas influem? O que o militarismo pode ter a
ver com isso? Essas e outras dúvidas são discutidas por especialistas, que
debatem um tema que, literalmente, faz a pele arder.
Para a Supervisora de Recrutamento e Seleção da Danone, Priscila Franzé, de 32 anos,
existe preconceito contra tatuagens no mundo corporativo. E que, infelizmente,
um candidato pode ser preterido por ter tatuagens. Porém, há um importante ponto
a ser observado. A cultura adotada pela empresa e seu conjunto de valores
influenciam muito nas decisões e diretrizes das corporações. ”Acredito que o
motivo está no tipo de cultura que a empresa prega, no público que ela quer
atingir, no seu próprio nicho de atuação. Você consegue imaginar um vendedor
destes quiosques de óculos e acessórios descolados em um banco, por exemplo?”
A especialista ressalta, ainda,
que a relação deve ser sempre recíproca. “Cabe ao futuro colaborador também se
questionar se a empresa que ele almeja vai ao encontro de suas expectativas, se
permitirá que ele seja o que realmente é”, emenda Priscila, que possui três
tatuagens, mas prefere mantê-las cobertas, pelo menos no ambiente de trabalho.
A gestora, por fim, orienta que tatuados evitem evidenciar suas marcas em um
processo seletivo, porém, tampouco omitam ou mintam quando perguntados sobre o
assunto. A informação e o bom senso prevalecem. “Na minha opinião, o candidato
deve ser avaliado pelas suas competências técnicas e comportamentais, essa sim
é a avaliação mais correta a ser feita”, enfatiza.
O tatuador Anderson Nobre, o
“Bits”, do estúdio PMA Rockers, igualmente, concorda que já há uma evolução quanto
ao preconceito. “Mudou muito o jeito como as pessoas enxergam a tatuagem, até
os anos 90 as pessoas relacionavam a arte da tatuagem com marginalidade”,
afirma. No estúdio em que trabalha, já passaram pessoas de diferentes perfis e
carreiras, inclusive, de profissões tradicionais como advogados, engenheiros e
médicos. “Tatuagem não muda caráter de ninguém.”
Bits reforça que, por aparecer
constantemente na mídia e na TV, a tatuagem tem sido mais bem aceita. Entretanto,
no Brasil, os resquícios da ditadura militar também influenciam no modo como
nos relacionamos com o tema. “Somos filhos da ditadura, e a classe militar
sempre implantou preconceito de todas as formas”. “Diferente de outros países,
que até permitem policias possuírem tatuagens aparentes, os militares
brasileiros – salvo exceções como Santa Catarina - não tem essa liberdade, e a
ideia acaba reverberando em outros setores da sociedade”, salienta o tatuador.
Preconceito na pele
São demais os casos de pessoas
que relatam ter sido vítimas de algum preconceito; não apenas por tatuagens,
mas por “piercings” e outras intervenções para modificação corporal. A dona de
casa Luciane Nogueira, 33, conta que seu filho, um adolescente de 16 anos - detalhe que, apenas no Estado de São Paulo,
a tatuagem em menores de idade é considerada crime, sob a lei 9.828/97 -, foi
vítima de discriminação, em fevereiro deste ano.
O jovem havia se inscrito para
um curso profissionalizante, oferecido por uma instituição de São José do Rio
Preto, cidade onde moram. Ao chegar lá, porém, uma desagradável surpresa: a
associação alegou que, por ter tatuagens, o rapaz não poderia prosseguir com os
estudos, pois mesmo que chegasse a concluir o curso, as empresas não o
contratariam, posteriormente. “Apenas
por ele ter uma tatuagem pequena no braço direito, em homenagem aos pais – “pai
e mãe: amor eterno” -, não foi aceito”, argumenta a mãe. “Ele queria muito ter
feito o curso.”
Postura intolerante, também, é
o que narra Filipe Lopes, 28 anos, cidadão do Rio de Janeiro, que há um mês, no
final de janeiro, deixou seu antigo emprego, após anos convivendo com a
incomplacência de seus superiores. Filipe trabalhava em uma grande empresa do
ramo de hipermercados, e até a substituição de seus chefes imediatos, nunca
havia tido problemas. Após a troca, no entanto, o inferno em sua vida começou:
“Como era impossível tirar as tatuagens – definitivamente -, o novo técnico de
segurança começou a pegar no meu pé por conta dos piercings”, relata o
ex-vendedor, que, por um tempo, ouviu as injúrias caladamente. “Toda vez que me
via, me mandava tirar os piercings.”
Até que um dia, como Michael
Douglas em “Um Dia de Fúria”, o jovem fluminense largou: “Eu só vou tirar
quando você me mostrar onde a norma de proibição está escrita”. A confusão
envolveu o diretor da loja, que, buscando a informação no manual de
procedimentos, não foi capaz de encontrar uma frase sequer sobre “piercings” e
tatuagens, apesar da insistência do gestor. Atualmente, Filipe estuda,
juntamente com seu advogado, entrar com uma a ação judicial contra a empresa.
“Pedi demissão de lá.”
Mas não é por essa razão que o
rapaz desistirá de trabalhar. Filipe, que também é desenhista e, paralelamente,
estagiava com sua tatuadora, aprimorando a técnica da tatuagem, decidiu correr
atrás dos seus sonhos, e entrar de agulha – na verdade, de cabeça – no mundo
dos rabiscados. E o mais incrível, conclui ele sobre o período em que trabalhou na loja: “ Durante todo esse tempo, eu
nunca senti nem sofri nenhum tipo de preconceito por parte dos clientes”. Ainda que velado, o preconceito persiste, e há muito o que melhorar nesse sentido.